A neuromodulação não invasiva vem sendo utilizada cada vez mais para estudar a função cerebral nos distúrbios do movimento, explorada como opção terapêutica para estimular o cérebro de seres humanos conscientes através do couro cabeludo intacto. Os distúrbios do movimento são uma classe de síndromes neurológicas caracterizadas por movimentos incontroláveis, anormalmente aumentados ou diminuídos. Eles estão entre as doenças neurológicas mais comuns, com uma prevalência de cerca de 28% em populações de meia-idade e idosas. Os distúrbios de movimento mais comuns incluem tremor essencial, doença de Parkinson, distonia e ataxias. A neuromodulação não invasiva surge como terapia adjuvante no tratamento destas doenças.
TMS e tDCS
São duas as técnicas mais utilizadas: estimulação magnética transcraniana (do inglês transcranial magnetic stimulation- TMS) e estimulação transcraniana por corrente contínua (do inglês- transcranial direct current stimulation- tDCS). Ambas podem ser aplicadas sobre o cérebro para modular a atividade elétrica das redes corticais e subcorticais relacionadas a um determinado conjunto de sintomas.
A interação da TMS com o tecido cerebral é complexa, dependendo da morfologia cortical, condução do tecido, design da bobina TMS e a corrente que passa por ela. Em geral, baixa (≤ 1 Hz) ou alta (≥ 5Hz) frequência é usada para, respectivamente, diminuir ou aumentar a excitabilidade cerebral. A estimulação magnética repetitiva (rTMS) refere-se à aplicação de trens de pulsos magnéticos repetidos entregues ao couro cabeludo. Estímulos repetitivos podem levar a um acúmulo de efeitos que podem potencializar os benefícios terapêuticos obtidos com uma única aplicação por meio da redução do limiar do potencial de ação, aumento da resposta e neuroplasticidade devido à geração de múltiplos potenciais de ação. Para produzir efeitos cumulativos, deve ser associada a treinos de reabilitação combinados com sessões de rTMS, geralmente são necessárias várias sessões, que na maioria dos casos são administradas diariamente por 5, 10 ou mais dias.
A tDCS modifica a atividade neuronal espontânea através de uma corrente elétrica aplicada sobre o couro cabeludo, utilizando dois eletrodos. A tDCS diferente da TMS não induz potenciais de ação. Entretanto, a tDCS modula de forma sublimiar o potencial de repouso da membrana. A excitabilidade cortical é diminuída pela estimulação catódica, enquanto a estimulação anódica aumenta a excitabilidade da membrana neuronal de forma sublimiar, aumentando o disparo espontâneo da célula.
De fato sabemos que os gânglios da base, o núcleo da fisiopatologia do distúrbio do movimento, não podem ser alcançados diretamente por tDCS ou TMS, a estimulação em uma região cortical apropriada que faz parte do circuito dos gânglios da base pode influenciar a atividade dentro desses loops e potencialmente produzir efeitos clínicos.
A figura abaixo modificada do artigo "Little Brain, Big Expectations", os possíveis alvos a serem estimulados com neuromodulação não invasiva e invasiva cerebral.
Existe uma inibição intracortical entre ambos os córtices motor primário (M1) que está relacionada com a manutenção da integridade dos movimentos axiais e dos membros. A modulação da atividade do núcleo denteado através de tDCS, TMS ou DBS (estimulação cerebral profunda) poderia restaurar as alterações na excitabilidade cortical M1 que estão presentes em algumas síndromes, como ataxia degenerativa, acidente vascular cerebral cerebelar e distonia. Além disso, a recente conexão sináptica do cerebelo ao estriado abre a possibilidade de modular diretamente a atividade elétrica aberrante nos gânglios da base observada em uma variedade de distúrbios do movimento.
O campo da neuromodulação não invasiva está progredindo rapidamente, e técnicas mais inovadoras estão sendo introduzidas. O uso da TMS e da tDCS tem como o foco principal a plasticidade cerebral, que pode ser "aumentada", quando combinadas à reabilitação. Os protocolos duram 20- 40 minutos, e são necessários em média de 10 a 20 sessões para obter respostas. Existem outras opções em estudo como a estimulação magnética ou elétrica aplicada sobre a medula espinhal, discutiremos este assunto em uma outra postagem.
É importante salientar que a neuromodulação invasiva é uma abordagem interessante e com possibilidades para a melhora dos sintomas relacionados aos distúrbios do movimento, entretanto, elas são aditivas e não devem substituir a terapia medicamentosa, a reabilitação física, reabilitação fonoaudiológica, reabilitação cognitiva, e as indicações cirúrgicas.
Fisioterapeuta
CREFITO 159984/F
Referências:
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